O impacto do uso excessivo de telas em crianças pequenas tem gerado crescente preocupação entre especialistas e pais, especialmente após relatos como o de Nadia David Peres, uma médica de 45 anos que percebeu mudanças drásticas no comportamento de seu filho, Breno, de 3 anos. “As telas são um veneno. Eu não sabia o mal que estava fazendo ao meu próprio filho”, desabafa Peres, que, por meses, permitiu que o menino passasse até seis horas diárias assistindo desenhos em dispositivos como celular e tablet, enquanto ela conciliava o trabalho remoto com os cuidados domésticos.
A rotina de Peres, que incluía atendimentos à distância como médica, a levou a recorrer às telas para manter Breno entretido. “Muitas vezes, para conseguir trabalhar, precisava deixá-lo no celular ou no tablet. Ele ficava ali quietinho, assistindo”, conta. No entanto, em março de 2025, uma carta da escola de Breno trouxe um alerta preocupante: o menino exibia comportamentos que se assemelhavam a sintomas típicos do transtorno do espectro autista (TEA), como falta de contato visual, agressividade com colegas, birras excessivas, recusa alimentar e dificuldade de concentração. “Ele mordia, batia, não se concentrava em nenhuma atividade e não podia ser contrariado”, lista a mãe.
Embora Peres já notasse essas características em casa, o comunicado escolar foi decisivo para buscar ajuda. Após consulta com uma neuropediatra, a médica descobriu que a exposição prolongada às telas poderia estar por trás dos comportamentos de Breno. A especialista recomendou a interrupção total do uso de dispositivos eletrônicos, e os resultados surpreenderam. “Em duas semanas, Breno passou a interagir mais, deixou de agredir os colegas, diminuiu as birras, começou a comer de tudo e está muito mais feliz”, relata Peres.

Evidências científicas e debates
O caso de Breno não é isolado. Um estudo publicado em 2025 na revista JAMA Pediatrics (DOI: 10.1001/jamapediatrics.2024.5456) examinou a associação entre o tempo de tela em crianças menores de 3 anos e alterações no desenvolvimento sensorial, sugerindo que a exposição excessiva pode levar a comportamentos que se confundem com TEA, como dificuldades na interação social e regulação emocional. A pesquisa, conduzida pela Universidade da Califórnia, apontou que crianças expostas a mais de 2 horas diárias de telas apresentavam maior risco de desenvolver respostas sensoriais atípicas, frequentemente interpretadas como sinais de autismo.
A neuropediatra Dra. Ana Clara Mendes, consultada para esta matéria, explica que o uso prolongado de telas pode sobrecarregar o cérebro em desenvolvimento, afetando áreas responsáveis pela regulação emocional e social. “Crianças pequenas precisam de estímulos variados e interações humanas para desenvolver habilidades sociais. As telas, quando usadas excessivamente, substituem essas experiências e podem gerar comportamentos que imitam condições como o TEA”, afirma. No entanto, ela alerta que esses sintomas não indicam um diagnóstico de autismo, mas sim uma resposta ao ambiente que pode ser revertida com intervenções adequadas, como no caso de Breno.

Um alerta para os pais
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que crianças menores de 2 anos não tenham contato com telas e que, até os 5 anos, o uso seja limitado a 1 hora por dia, preferencialmente com supervisão. Apesar disso, um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2023 revelou que 68% das crianças brasileiras entre 0 e 4 anos têm acesso regular a dispositivos eletrônicos, muitas vezes como “babás digitais” para aliviar a sobrecarga dos pais.
O caso de Nadia e Breno serve como um alerta para os riscos do uso indiscriminado de telas. “Eu realmente não fazia ideia de quão errados estávamos”, reflete Peres, que agora prioriza atividades ao ar livre e interações presenciais com o filho. A experiência da família reforça a importância de equilibrar tecnologia e desenvolvimento infantil, um desafio cada vez mais urgente em um mundo hiperconectado.
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cd758lwrrwdo
Redação Portal Guavira